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  Imagem criada a partir do google Earth Conforme tratei aqui no Blog alguns anos atrás, a Ferrovia Leste, como era conhecida pelo fatimense, foi um ramal ferroviário que buscava ligar o litoral de Sergipe ao canteiro de obras da usina hidroelétrica de Paulo Afonso.                     Na ocasião, o governo federal, nos mandatos de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas, liberou vultosas quantias para a construção da ferrovia durante os anos 1950.                     As obras tiveram evolução diferente ao longo do percurso, em Lagarto, por exemplo, chegou-se a construir uma estação para o trem, enquanto em outros pontos, com Fátima, Adustina e Paripiranga, bancadas de nivelamento, pontes e valas de até 6 metros de profundidade ficaram para trás após o abandono da obra.                     As obras foram definitivamente abandonadas em 1955 quando o governo federal, cedendo ao lobby das grandes montadoras de automóveis que chegavam ao Brasil, optou pelas rodovias. Começava ali a deca

Garantir a "mistura"

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  Os filhos dos caboclos livres tinham na caça de preás, passarinhos, tatus e lagartos como o “teiu” e o cameleão uma das atividades mais praticadas. Caçar era um misto de entretenimento e necessidade de garantir a “mistura”. Assim, iniciavam cedo na atividade e iam até a fase adulta. Caçador, era uma profissão. Entre os jovens homens havia uma espécie de competição: “Fulano é bom na bala”, dizia-se do rapaz que tinha boa mira e sempre voltava pra casa com algo no “bogó”. Os meninos com menos destreza nessa atividade eram mal vistos, chamavam-nos de “mole”, de “viadinho”. Era um código de honra rudimentar, não haviam muita tolerância para aquele que se mostrasse inapto à sobrevivência na dura terra onde pisavam.   Haviam famílias cuja mãe levantava cedo e cozinhava uma panela de feijão no fogo a lenha, a grande panela que levava apenas o próprio grão, água e alguns poucos temperos, era a única comida garantida pelo estoque das famílias mais pobres, juntava-se à farinha e, com sorte

Severo Correia quer casar.

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  2 Severo já era homem feito, tinha vinte e três anos quando se engraçou com Líbia, uma jovem de bons modos, filha de um fazendeiro da Lagoa da Volta, uma fazenda próxima, na direção das Queimadas. O povo dos Correia, como eram conhecidos os membros da família Correia daquela região, era gente simples, mas gente direita. Há muitos anos tinham comprado aquela terra dos Dantas e ali viviam também de criar gado e plantar milho, feijão e algodão. Criaram os filhos na lida da roça, com as dificuldades de uma fazenda no sertão da Bahia. Severo e Líbia se conheceram no Caruru da Lagoa da Volta, era festa afamada na região. O fazendeiro da Maria Preta era homem solteiro e embora tivesse fama de dar em negros, era visto como homem direito, de palavra firme, falava pouco e tinha poucos amigos, com esse jeito rude, conquistou o respeito de todos. O velho Pedro Correia tinha ali aquela menina, era moça caseira, tinha ainda 12 anos quando chegou à sua casa aquele homem de semblante sério, alto

Missa no Bom Conselho

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  Líbia estava grávida do primeiro filho, uma menina ainda! Diziam as negras da cozinha, acostumadas as parições, filhos de pais diferentes, concebidos mesmo no chão da senzala ou no mato com algum caboclo da lida do mato. Mas Dona Líbia era diferente, tão faceira, com um cabelo agalegado e olhos claros, corpinho de menina, diziam. E a barriga foi crescendo, Severo não tinha tempo para paparicar a esposa, não se dava ao luxo de ficar um dia sequer em casa, mesmo aos domingos saia para ver o gado, montava em sua burra preta, passava horas e horas percorrendo as terras, quando chegava era sempre aquele rompante com os empregados e os escravos, gritava e gesticulava, raros eram os dias em que negro não ia pro tronco pra pagar por serviço mal feito. E a Maria Preta ia ganhando fama de judiar dos negros, o pé de caixão ficava conhecido em toda a região por ser mal assombrado, diziam que ouviam-se gritos a noite, um tropeiro contava em Bom Conselho que, certa vez, passando por lá, sentiu u

Negro fugido.

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  No pasto, a lida seguia como sempre, quando uma novilha ganhou o mato na direção da serra do Mocó, Severo mandou o negro Sinval para o serviço, a espora chiou no vazio da égua que levantava poeira por entre as árvores retorcidas da caatinga, Sinval era jovem, mas negro de coragem, era nascido na Maria Preta e sobrinho da negra Margarida. O sol já baixava por detrás da serra quando Severo se mostrou impaciente com a demora de Sinval, ordenou que outros dois cabras seguissem para a serra que já se banhava da pretude da noite vindoura. A boca da noite os dois voltaram com uma notícia que encheu de fúria o fazendeiro, o negro Sinval havia deixado o rastro da novilha e ganhado o mundo, a novilha estava para os lados da Boa Vista e o rastro da égua do negro pendiam para as bandas de Sergipe, na direção oposta. Severo não dormiria naquela noite, aquele negro lhe pagaria pela ousadia, não toleraria aquilo, seria mau exemplo para os seus negros. O canalha deveria ter ido em direção à Lagart

Paisagem sertaneja

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  Quando chegaram à Maria Preta, foi preciso muita habilidade para instalar a família e as quinze cabeças de gado que vieram junto ao comboio de quatro carros de boi. O negro Macário, que fora escravo de seu pai e o vira criança, se encarregava de controlar a escravatura nova. Era negro de confiança, uma fera para trabalhar. Como todo começo tudo foi muito difícil, dormiam em tendas de tecidos embaixo de uma frondosa quixabeira que lhes servia de casa, fizeram um curral improvisado para o gado e trataram de coletar na mata virgem as varas para erguer a casa, a ideia inicial era fazer uma residência modesta para os primeiros anos e conforme avançassem na produção da fazenda, aumentar o tamanho da residência, construir a senzala e um curral adequado. Nas duas primeiras semanas trabalhava-se até a exaustão, João Severo era já homem de mais de 40 anos, mas tinha tino para o trabalho duro, tirava da escravatura o que ela podia dar. No sábado arreava seu cavalo e ia até a feira do Bom Co

A morte de João Severo.

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  Em um domingo de janeiro, o dia amanhecera quente na Maria Preta, o céu sem nenhuma nuvem anunciava um dia quente, corria o ano de 1881 e algo parecia estranho para as negras da cozinha. Todos os dias, o primeiro da família a levantar era o velho João, seguido logo no encalço pelo filho, mas naquele dia a negra Margarida notou que o senhor não havia levantado, pensou que estivesse na varanda olhando a quentura do dia que se anunciava, foi até a porta da frente e a encontrou fechada, com a trava de pau ferro ainda no lugar, estranhou qualquer coisa e foi acordar a sinhá que sempre acordava depois do marido e do filho, os negros já conversavam em frente à senzala, nas cantigas de coco que animavam a escravatura, Severo chegou-se para a cozinha enquanto a negra Margarida batia na porta do quarto, três ou quatro batidas e logo escutou-se o reboliço da sinhá que sacudia o marido deitado sem sucesso, já estava rígido o velho João Severo quando deram pela sua morte. Foi um choque para tod